Reverberações da diáspora e reflexões sobre identidade em Torto Arado, de Itamar Vieira
Identidade; Diáspora; Território; Quilombolas; Torto arado.
O sistema escravagista foi abolido há mais de um século no Brasil e os traumas gerados pelo regime de exploração dos escravizadas continuam a reverberar na sociedade contemporânea, que penaliza os descendentes de africanos ao submetê-los à discriminação racial e à marginalização social. O romance Torto arado (2019), de Itamar Vieira Júnior, retrata essa população em suas subjetividades e é objeto de pesquisa dessa Dissertação que propõs investigar a constituição das identidades das personagens oriundas do fenômeno diaspórico africano. A proposta foi analisar os meandros da relação indissociável entre identidade e lugar e os efeitos dessa intersecção para a expansão da consciência identitária e emancipação das personagens na narrativa. A dinâmica que liga o sujeito à terra é questionada pelos descendentes de africanos escravizados que foram tirados “à força” de seus chãos e que, historicamente, foram condenados a “lugar nenhum”, um lugar em que habita o complexo de inferioridade (Fanon, 2008). No romance, esse lugar nenhum é nomeado pela expressão “viver de morada” (Vieira Jr. 2019, p.179). A trama abrange a complexidade da composição identitária do sujeito migrante a partir de África, considerando que a diáspora e o deslocamento forçado promovem identidades múltiplas (Hall, 2003) e que as identidades mudam em relação com outras identidades, com outros territórios reais ou imaginários (Glissant, 2011). Ao contextualizar as reverberações da diáspora para as questões identitárias e a ecoar sobre a importância do reconhecimento em suas individualidades (Bhabha, 1998), Torto arado dialoga com a sociedade brasileira sobre o direito de existir dessa população historicamente invisibilizada e silenciada, mas que pode lutar contra essa sujeição (Spivak, 2010). As vozes das personagens negras provocam o deslocamento literário para uma perspectiva diferente (Candido, 1995) e levam o leitor a refletir e a repensar sobre a presença e o lugar dos negros na sociedade brasileira. No romance, a saga de Bibiana, Belonísia e seu povo é construída de forma que as personagens são levadas a uma imersão em suas subjetividades para acessar os elementos que moldam suas identidades como a memória, a ancestralidade africana, a religião, os costumes, as tradições. Ao descobrirem quem são, além dos rótulos de trabalhadores ou moradores, ao apropriarem de suas identidades, individual e coletiva, e assumirem a condição de quilombolas, as famílias que vivem na fazenda Água Negra assumem a postura de enfrentamento contra o regime de exploração tradicionalmente imposto aos descendentes de africanos no Brasil.