Fluxos de nutrientes em sistemas de aquicultura: Da ração aos peixes e ao meio ambiente
piscicultura, nutrientes, carbono, nitrogênio, fósforo
A aquicultura é uma atividade estratégica para a produção sustentável de alimentos de origem aquática, desempenhando um papel essencial na segurança alimentar global. À medida que a demanda por peixes continua a crescer, a intensificação das práticas aquícolas exige atenção cuidadosa ao manejo de nutrientes, englobando a alimentação dos peixes, a assimilação de nutrientes na biomassa, a produção de resíduos e a descarga ambiental. Para além da produtividade, a aquicultura sustentável deve considerar sua pegada ecológica e seu papel no uso circular de recursos. Esta tese explorou o fluxo e a transformação de nitrogênio, carbono e fósforo em sistemas aquícolas, enfatizando tanto as implicações ecológicas quanto as oportunidades para um uso mais sustentável desses nutrientes. O primeiro artigo apresentou uma revisão sistemática de estudos publicados ao longo dos últimos 40 anos sobre balanço de nutrientes na aquicultura de água doce, com foco em viveiros escavados — um sistema dominante de produção em muitas regiões. A revisão identificou a água de abastecimento, a ração e os fertilizantes como as principais fontes de entrada de nutrientes. Embora os peixes assimilem uma fração significativa desses insumos, uma parte substancial se acumula nos sedimentos dos viveiros. Esses achados destacam o duplo papel dos sedimentos como reservatórios de nutrientes e potenciais fontes de poluição. O estudo evidenciou a importância de estratégias integradas de manejo de nutrientes que aumentem a eficiência ao mesmo tempo em que mitigam riscos ecológicos de longo prazo. Com base nessa fundamentação, o segundo artigo avaliou os balanços de nutrientes e a eficiência de uso de carbono, nitrogênio e fósforo em sistemas de monocultivo de carpa-capim (Ctenopharyngodon idella) e tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), bem como em sistemas de policultivo. Ao longo de um ciclo completo de produção em nove viveiros experimentais, monitoramos a qualidade da água, o crescimento dos peixes e as características dos sedimentos. Os resultados mostraram que a tilápia-do-Nilo apresentou maior produtividade e eficiência no uso de nutrientes, refletindo uma conversão alimentar mais eficiente. A sedimentação emergiu como um mecanismo-chave para a retenção de fósforo, enquanto a biomassa de peixes contribuiu de forma significativa para as saídas de nitrogênio e fósforo. Além disso, os fluxos gasosos — principalmente a difusão de dióxido de carbono (CO₂) — representaram perdas importantes de carbono, reforçando a necessidade de considerar as vias atmosféricas nos balanços de carbono. O terceiro artigo ampliou essa investigação quantificando as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de viveiros aquícolas ao longo de um ciclo completo de produção. Comparamos as emissões de CO₂ e metano (CH₄) entre sistemas de monocultivo e policultivo e estimamos a pegada de carbono de cada modelo de produção, incluindo emissões diretas e indiretas. Em relação às emissões diretas, viveiros de policultivo apresentaram menores emissões acumuladas de CO₂eq do que os monocultivos (tilápia-do-Nilo e carpa-capim). A pegada de carbono por quilograma de peixe foi de aproximadamente 17 kg CO₂eq para monocultivo e policultivo de tilápia-do-Nilo, em comparação a 23 kg CO₂eq para monocultivo de carpa-capim, sendo este valor mais alto impulsionado principalmente por emissões indiretas, especialmente mudanças no uso da terra associadas à produção de soja. O artigo final investigou uma solução potencial para um dos subprodutos mais persistentes da aquicultura: os sedimentos ricos em nutrientes dos viveiros. Avaliamos a reutilização desses sedimentos como fertilizantes no cultivo de rúcula (Eruca vesicaria), comparando materiais de viveiros extensivos e semi-intensivos com fertilizantes comerciais. Embora os tratamentos com sedimentos tenham produzido menor biomassa vegetal, eles melhoraram o teor de nutrientes e a fertilidade do solo. A análise econômica indicou que a reutilização de sedimentos pode reduzir significativamente os custos com insumos, oferecendo uma estratégia de fertilização de baixo custo e ambientalmente amigável, especialmente relevante para agricultores familiares. Este estudo destaca a reutilização de sedimentos como um caminho para sistemas integrados aquicultura-agricultura e modelos de economia circular, nos quais resíduos são transformados em recursos. Em conjunto, os achados desta tese demonstram que estratégias como policultivo, balanços de nutrientes, mitigação de GEE e reutilização de sedimentos são ferramentas essenciais para aprimorar a sustentabilidade ambiental e econômica da aquicultura. Essas abordagens promovem um modelo de produção mais circular e ecologicamente equilibrado, alinhando a produção de alimentos aos objetivos de conservação ambiental e responsabilidade climática.