O ensino da pontuação sob a perspectiva da Análise de Discurso
Leitura, escrita, reescrita, texto, sinais discursivos.
Este trabalho trata-se de um Projeto de Intervenção, elaborado no âmbito do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), e desenvolvido com estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental, no ano letivo de 2022. O Projeto filiado à Análise de Discurso (AD) de linha francesa, instituída por Michel Pêcheux, na França, e Eni Orlandi e demais pesquisadores da área, no Brasil, objetivou ressignificar o processo de ensino do uso dos pontos final, de interrogação, de exclamação e das reticências, numa abordagem discursiva. Para tanto, foi necessário retomar os sentidos de língua, de texto, de leitura, de escrita, de interpretação, noções nucleares à compreensão de que “[...] os sujeitos e os sentidos sempre podem ser outros.” (ORLANDI, 2020, p.35). O trabalho foi conduzido de forma a deslocar noções naturalizadas nas práticas educativas, a exemplo da língua compreendida como transparente, e do sentido como unívoco e controlável. O estudante foi instigado a ser autor de seus dizeres (orais ou escritos), compreendendo que a leitura, a escrita e a pontuação são inseparáveis, pois embora seja a língua da ordem da incompletude e sujeita a falhas, o sujeito-autor tem a precisão de escrever textos organizados e com efeito de fecho. Trabalhar com a pontuação, na perspectiva da AD, significou oportunizar aos estudantes uma experiência diferente sobre o funcionamento desses sinais, nas práticas corriqueiras de leitura, de escrita e de reescrita de texto, que não o decorar de regras gramaticais. Isso significa dizer que não abolimos de nossas aulas o uso da gramática ou do livro didático, mas também não trabalhamos as noções gramaticais na perspectiva canônica, considerada como verdade universal. Procuramos colocar em evidencia que essas marcas sinalizadas, tomadas como “sinais discursivos” por Grantham ( 2009, p.16), não podem ser compreendidas apenas como segmentadoras ou limitadoras de uma frase ou período, mas como lugar de produção de sentido. As atividades foram trabalhadas por meio de rodas de conversa, debates, pesquisa, seminários, aula expositiva - práticas em que o texto foi basilar para uma aprendizagem significativa. Nesse fazer em sala de aula, os estudantes viram que o texto não é delimitado, que pode ser uma frase, uma palavra, um som, uma cor, uma imagem, o importante é que signifique. Durante as produções escritas, o foco não foi destacar o que estava “errado” ou rotular o texto do estudante como inaceitável, diante das dificuldades ainda encontradas, quanto à unidade, coesão e coerência, embora todas essas dimensões sejam necessárias para o escrever de forma adequada. Procuramos “ouvir” sentidos, incentivando e valorizando suas produções, oportunizando-lhes o deslocamento da função sujeito-enuciador para a de sujeito-autor. Como produto final, foram produzidos textos autobiográficos, a partir da relação de sentido com o sinal de pontuação que mais significava sua trajetória de vida. Podemos dizer que os estudantes tiveram a oportunidade de experienciar, por meio das práticas textuais, que a pontuação é necessária para a textualidade, mas que os sentidos não se encerram nela; que é preciso considerar as condições de produção e a história de leitura de cada um; que a língua requer ser manuseada para que o processo de leitura e escrita se constituam.