MEANDROS DA MEMÓRIA EM UM DEFEITO DE COR, DE ANA MARIA GONÇALVES
Literatura afro-brasileira; Romance; Identidade; Ana Maria Gonçalves
A Literatura afro-brasileira adentra ao espaço literário com maior representatividade na escrita contemporânea. É uma arte que contempla a vivência do negro em sociedade por meio do resgate de memórias, experiências e modos de vida em uma relação de tempo, espaço e história. Assim, o propósito desta pesquisa consiste em refletir acerca da literatura afro-brasileira a partir do romance Um defeito de cor (2006), de Ana Maria Gonçalves, enfatizando a recuperação da memória coletiva e da oralidade como estratégia narrativa. Ao privilegiar aspectos da ancestralidade africana e da atualidade da narrativa, objetivamos desvendar, na arquitetura da obra, seus motivos temáticos centrais e os aspectos formais, em que se percebe o diálogo dos temas históricos com a contemporaneidade. Para a elaboração do percurso histórico das produções de literatura contemporânea e afro-brasileira, no intuito de compreensão e análise crítica do romance de Gonçalves, o suporte teórico centrou-se em estudos de Bernd (1988), Munanga (1988), Ianni (1998), Gilroy (2001), Bosi (2002), Proença Filho (2004), Carneiro (2005), Assis (2008), Agamben (2009), Schøllammer (2009), Fonseca (2010), Dalcastagnè (2012). Um defeito de cor é o segundo trabalho literário de Ana Maria Gonçalves. O romance é centrado na personagem Kehinde, uma africana idosa que ao final do século XIX, já cega e à beira da morte, viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Durante essa travessia, a protagonista relata toda sua vida a partir da morte de sua mãe e irmão, a primeira vinda para o Brasil, que dá início a sua vida de escravizada, sua alforria, a participação em rebeliões e fugas, a volta à África, o empreendedorismo e o retorno a terras brasileiras na esperança de reencontrar um filho que nunca mais viu. Fatos históricos como a Independência do Brasil, em 1822 e a Revolta dos Malês, em 1835 estão imersos no tempo e espaço das personagens, contextos que permitem a criação de uma saga emocionante e verossímil da história de Kehinde e todos os negros que representam a diáspora africana em território brasileiro. Para discutir questões do real ao ficcional, abordando elementos de estratégias narrativas, discursivas e memória no romance, tem-se como embasamento teórico: Lins (1976), Halbwachs (1990), Dimas (1994), Nunes (1995), Canclini (1998), Le Goff (2003), Bauman (2005), Bhabha (2007), Ricouer (2007), Gonzáles e Coser (2013), Arfuch (2018), Candau (2019), Hall (2019). Com Um defeito de cor, Ana Maria Gonçalves manifesta os traços do momento histórico e da realidade social ao abordar a formação de um povo e de uma nação, resgatando a africanidade no processo de construção da identidade cultural. Nesse processo, a memória se constitui como ferramenta de registro dos costumes e tradições.