NARRAR O COLAPSO: OLHAR E CINISMO NO ROMANCE DE ANA PAULA MAIA
Literatura contemporânea; necropolítica; narrador pós-moderno; cinismo; Ana
Paula Maia
Esta tese se dedica a compreender o modo como o narrador organiza o olhar sobre os corpos,
os restos e a catástrofe nas obras que compõem a Trilogia do Fim de Ana Paula Maia: Enterre
seus mortos (2018), De cada quinhentos uma alma (2021) e Búfalos Selvagens (2024). A
investigação sustenta a hipótese de que o narrador se configura como a própria voz de um
mundo em colapso, atuando como testemunha desencantada da necropolítica e do cinismo que
estruturam a experiência contemporânea. A articulação metodológica do trabalho visa expor
regimes de visibilidade e modos de narrar a catástrofe, dialogando com a filosofia e a crítica
cultural. O percurso analítico se organiza em três movimentos complementares. O primeiro
capítulo estabelece os fundamentos conceituais da análise, tratando da animalidade e do abjeto
para evidenciar a vida nua, categoria central na obra de Giorgio Agamben (2002). A literatura
de Maia insiste em zonas de indiscernibilidade entre humano e animal, perspectiva que é
expandida a partir das reflexões de Maria Esther Maciel (2016) sobre o bestiário e de Jacques
Derrida (2002). Em seguida, o segundo capítulo se volta para a dimensão formal da narrativa,
mostrando como o narrador opera com uma lógica fragmentária e aposta no resto como forma
de narrar o colapso. A análise demonstra a aproximação do narrador com a imagem
cinematográfica, e discute a impossibilidade de totalidade e a narrativa em restos, ideias que se
alinham às contribuições de Silviano Santiago (2002) e de Theodor W. Adorno (2003). O
terceiro capítulo aprofunda a discussão ao articular a gestão da morte com o olhar desencantado
(cinismo). O narrador, ao registrar os acontecimentos com objetividade e frieza, reflete o
cinismo moderno, conforme descrito por Peter Sloterdijk (2012), e a falência ética do presente,
tema abordado por Vladimir Safatle (2008). Conclui-se que o narrador, ao registrar o colapso
ético e social, se torna a própria materialização de uma época marcada pela necropolítica e pelo
cinismo, transformando o ato de narrar em um registro da devastação.