ARTE NO CORPO SURDO: O EFEITO ESTÉTICO, A REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA E A CRÍTICA SOCIAL EM OBRAS PRODUZIDAS EM LIBRAS
Literatura em Libras; leitor surdo; Estética da Recepção; semiótica; Surdografia.
Este trabalho investiga a leitura literária de obras produzidas em Língua Brasileira de Sinais (Libras) por artistas surdos brasileiros. O estudo buscou contextualizar o cenário nacional da produção literária surda, considerando os aspectos artísticos, linguísticos e sociais que o atravessam. A análise das obras permitiu observar que a recepção literária por parte de pessoas surdas apresenta características próprias, revelando uma estética de leitura marcada pela corporeidade e pela experiência sensível. Refletimos, assim, sobre a materialidade das obras diante do leitor e, de modo inverso, sobre a materialidade do próprio leitor frente ao texto. Isso nos leva a compreender que o leitor surdo acessa o texto literário a seu modo, significando-o a partir de sua vivência sensorial, cultural e histórica. O modo de produzir arte e de ler, tal como o modo de viver e interagir com o mundo, é específico da experiência surda; por isso, afirmamos que a pessoa surda se inscreve nos espaços sociais e artísticos mediante uma surdografia, isto é, uma escrita do corpo surdo no espaço da linguagem. A pesquisa foi aplicada em um projeto de leitura literária desenvolvido no Centro Municipal de Educação Especial Professora Isoldi Storck, com a participação de jovens e adultos surdos. O grupo realizou leituras de produções literárias sinalizadas, escolhidas a partir do horizonte de expectativas dos integrantes, visto que o método recepcional de Bordini e Aguiar foi adotado para a abordagem dos textos. Nesse sentido, defendemos a importância da leitura de literatura surda, especialmente por pessoas surdas, bem como da adoção de metodologias de ensino da leitura literária que reconheçam e valorizem as potencialidades do corpo surdo e sua comunicação visual-motora, efetivada pela língua de sinais. À medida que o texto literário se atualiza no corpo surdográfico e recebe uma mediação sensível à visualidade e à gestualidade da Libras, potencializa-se um efeito estético capaz de ativar o repertório sensorial e cultural do leitor surdo. Esse processo amplia seu horizonte de expectativas e favorece, paulatinamente, o acesso às camadas mais profundas de significação, mesmo entre aqueles com trajetória limitada de leitura. Para fundamentar essas reflexões, recorremos às contribuições de Quadros e Sutton-Spence (2021), no que se refere à Libras e à literatura surda; de Bordini e Aguiar (1993), Candido (2004, 2012) e Pinto (2023), no campo da leitura literária; de Iser (1996, 1999) e Jauss (1979, 1994), no âmbito da estética da recepção; de Peirce (2003), Santaella (2018, 2019) e Eco (2004), no campo da semiótica; e de Zumthor (2018), para discutir o corpo e a performance na arte literária. Após a aplicação do método na oficina de leitura, depreendemos a participação do corpo surdo no processo de semiose artística, visto que, no ato de leitura, não apenas os olhos se colocavam ativos, mas também todo o corpo realizava a leitura. Prova disso foram os momentos em que, diante de dúvidas sobre o que estava sendo expresso pelo corpo em performance na tela de exibição do vídeo, o leitor incorporava os movimentos em sua carne, atualizando o texto à sua maneira e amplificando sua potencialidade sígnica. Assim, personalizando os gestos e sinais do performer, o texto se vivificava e propiciava uma experiência estética.